Aposentadoria Especial do Motorista - Uma Batalha Perdida?

Autor: Bruno Pellizzetti

Aposentadoria Especial do Motorista, uma batalha perdida?

Uma das primeiras ações que enfreitei na prática previdenciária foi do motorista de ônibus.

motorista-penosidade

Na época era muito comum a combinação de Tempo Especial por enquadramento profissional que ia até 1996 e o pedido de aposentadoria especial por ruídos.

Conteúdo - Índice

[ToC]

Primeira Briga - Deficiência Auditiva e Ruídos

Se você quer saber um pouco mais sobre o enquadramento profissional confira o nosso artigo sobre o enquadramento profisisonal.

Infelizmente essa batalha foi se tornando cada dia mais difícil, houve uma evolução nos critérios de avaliação de ruídos, por exemplo, o limite de tolerância dos decibéis mudou ...

  • Até 5 de março de 1997: 80dB
  • Entre 6 de março de 1997 a 18/11/2003: 90dB
  • Após 18/11/2003: 85db

Outra dificuldade é que as avaliações do dias atuais não refletem a realidade vivida na época, por exemplo uma perícia em um ônibus atual não vai refletir a realidade vivida no fim dos anos 90 por exemplo - temos um salto tecnológico gigantesco de lá para cá.

motorista-penosidade

Infelizmente o trabalhador fica preso a esta prova, que, na maioria das vezes é incapaz de replicar a realidade da época.

O que se traduz no processo será sempre uma sombra da realidade vivida pelas pessoas, o que traz prejuízos enormes para o trabalhador, há muitos motoristas no fim de suas carreiras que desenvolvem problemas auditivos, porém não conseguem demonstrar o seu direito à aposentadoria especial.

Segunda Briga - Problemas de Coluna e Trepidação

Outro fator que nós advogados previdenciários percebemos, são problemas na coluna, os motoritas de ônibus e caminhão sofrem com o desgaste da lombar, sofrendo muito com hérnias de disco, o que permite em alguns casos uma aposentadoria por invalidez, mas não uma aposentadoria especial.

Diante disso, buscamos um outro caminho, tentamos buscar o enquadramento da aposentadoria especial pelas vibrações, nós sabíamos que havia um desgaste maior da coluna do que de outras profissões e esse também é um dos critérios que também são importantes para a aposentadoria especial.

Embora o ordenamento jurídico previdenciário antever um rol de agentes nocivos, a partir dos Decretos n° 2.172/97 (art. 62, § 2°), posteriormente revogado pelo vigente Decreto 3.048/99, este rol tem caráter meramente exemplificativo, deste modo e necessário que o seguro comprove a efetiva exposição, ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física (Redação do § 2°, do art. 64, do Decreto 3.048/99).

Entre os agentes nocivos que a atividade do motorista de ônibus permanece exposto, vale destacar a de vibração/trepidação, responsável por ocasionar um ambiente insalubre ao trabalhador exposto, por esse motivo foram estabelecidos limites para a exposição, considerando atividade especial quando a vibração ultrapassar o limite determinado.

Nessa linha, se preocupando com a saúde do trabalhador a Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho e Emprego, alterada pela Portaria MTE 1.297/2014 a NR 15 – Atividade e Operações Insalubres, no seu Anexo VIII, regulamentou a necessidade de medição da exposição a vibração no trabalhador e indica duas normas: ISO 2631 (Vibração transmitida para o corpo inteiro/nova versão 1999) e ISO 5349 (Vibrações localizadas/ mãos e braços), nos casos em que for aferido exposição a vibração acima do limite de tolerância será considerada insalubre.

Além disso, os Decretos n° 53.831/64 e n° 3.048/99 preveem nos códigos 1.1.5 e 2.0.2 respectivamente, o agente nocivo vibração/trepidação, exemplificando que tal agente estaria presente nas atividades com perfuratrizes e marteletes pneumáticos.

Ocorre que, com especial atenção ao código 2.0.0 do Decreto 2.172/97, o qual vai tratar dos agentes físicos, grupo que a vibração/trepidação pertence, vai dispor que a atividade pode ser considerada especial pela “exposição acima dos limites de tolerância especificados ou às atividades descritas”.

motorista-penosidade

Finalmente, se pode concluir que não só as atividades com perfuratrizes e marteletes devem ser reconhecidas pela exposição à vibração, mas todas aquelas que haja exposição ao agente acima dos limites de tolerância, sendo o decreto meramente exemplificativo.

Entretanto, esbarramos novamente com o mesmo problema, o limite das vibrações, era difícil para os peritos avaliarem a real situação vivida na época pelos motoristas.

Mesmo com esse histórico de doença ocupacional, que é um fato inafastável da atividade, tivemos insuficiência nas provas para demonstrar o direito à aposentadoria especial dos motoristas, uma situação que grita INJUSTIÇA.

Novamente a realidade não está sendo prezada nos processos de aposentadoria deste setor é algo que conseguimos constatar claramente diante da situação de saúde dos nossos clientes.

Finalmente esbarramos com uma última alternativa, que apesar de muito difícil, mostrou-se uma luz no fim do túnel.

Terceira Briga - A Penosidade Como um Conceito de Aposentadoria Especial

Há uma última hipótese legal que se chama "Penosidade", uma legislação que jamais foi regulamentada, mas enquadra-se na hipótese do motorista, especialmente porque lá nos anos 60 e 70 havia menção deste termo na legislação.

image

Apesar da falta de regulamentação, existe sim previsão da norma no ordenamento jurídico nacional, é uma norma que ficou "em branco" e foi esquecida:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;

E até hoje não se sabe exatamente o que é penosidade, porém há casos vitoriosos aqui no TRF da Quarta Região que garantem o direito ao motorista, o conceito mais adequado é o seguinte:

Se entende por penosidade a atividade relacionada com as situações do ambiente de trabalho que ultrapassam os deveres normais e saudáveis inerentes a função, quando o segurado está inserido em um ambiente onde as circunstancias permitem uma carga física e psicológica perturbadora, causando desconforto e alteração dos ritmos biológicos. São as atividades geradores de desconforto físico ou psicológico, superiores aos decorrentes do trabalho normal.

Sobre estes outro elementos podemos citar o stress do motorista, que carrega uma enorme responsabilidade de transportar as pessoas em segurança no menor tempo possível, conforme determinado pela companhia de ônibus.

Além disso, em grandes cidades, os motoristas vivem em uma situação de terror constante, sujeitos a comportamentos agressivos, furtos e roubos constante, o que traz ainda mais stress para estes profissionais.

Por último também tempos a situação de exposição a calor elevado, o ambiente urbano em geral, trânsito e exposição solar constante.

Em resumo, temos a combinação dos ruídos e das vibrações, que apesar de não serem suficientes por si só para garantirem a aposentadoria especial, combinando com outros elementos da profissão, garantem o reconhecimento da penosidade, em resumo podemos delimitar estes elementos como um conjunto de situações que gera a penosidade:

  1. Ruídos no ambiente - tanto do ônibus quanto dos passageiros e do trânsito ao redor;
  2. Vibrações - desgaste provocado pelo ônibus e trânsito;
  3. Stress - Possibilidade constante de assaltos, roubos, furtos, situações imprevisíveis com passageiros e outros motoristas (trânsito intenso);
  4. Exposição Solar - Apesar de não ser um elemento que dá direito a aposentadoria especial, este elemento agressivo também pode colaborar para gerar a penosidade ao motorista

Assim, diante de tantos elementos, um profissional habilitado em segurança do Trabalho pode chegar à conclusão que o serviço é penoso, mesmo que não exista uma definição clara da legislação, que deve ser complementado de acordo com os critérios gerais e da experiência comum dos profissionais deste ramo.

PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM. PERÍCIA INDIRETA OU POR SIMILITUDE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. [...] 3. A perícia técnica deve ser realizada de forma indireta, em empresa similar àquela em que laborou o segurado, quando não há meio de reconstituir as condições físicas do local de trabalho em face do encerramento das suas atividades. [...] (AC 2003.70.00.036701-4/PR, TRF-4, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DE 14.09.2007)

Um exemplo foi esse laudo extraído de um processo, que indica elementos de stress extremo de um motorista da cidade de Curitiba, note que o perito avaliou também a cobrança para o cumprimento de horário para chegar nos pontos de acordo com o cronograma, o que é um peso terrível para esses profissionais.

image

Aqui no Paraná e no Tribunal Regional da 4a Região que engloba também Santa Catarina e Rio Grande do Sul, os advogados conseguiram uma importante vitória sobre o tema:

o Incidente de Assunção de Competência (IAC) n° 5033888-90.2018.4.04.0000/RS – Tema 05, ao julgar a questão, declarou que as circunstâncias determinantes para o reconhecimento do caráter especial da atividade de motorista devem ser comprovadas por meio de perícia judicial individualizada.

Dentre todos os quesitos a prova técnica não deve deixar de analisar o veículo efetivamente conduzido pelo trabalhador, a análise do trajeto e das jornadas realizadas, nos moldes do voto exposto no IAC supramencionado.

motorista-penosidade

Nessa linha, o ordenamento jurídico previdenciário prevê a conversão do tempo penoso em tempo comum para aposentadoria de qualquer espécie § 4°, do art. 9°, da Lei 5.890/1973 (Redação dada pela Lei n° 6.887/1980).

Art 9º [...] suprimi

§ 4º - O tempo de serviço exercido alternadamente em atividades comuns e em atividades que, na vigência desta Lei, sejam ou venham a ser consideradas penosas, insalubres ou perigosas, será somado, após a respectiva conversão, segundo critérios de equivalência a serem fixados pelo Ministério da Previdência Social, para efeito de aposentadoria de qualquer espécie.

A decisão proferida no IAC nº 5033888-90.2018.4.04.0000/TRF4 (Tema 5) é um precedente vinculante devendo ser observado em todas as decisões acerca do tema no âmbito da competência desse tribunal.

Assim, vamos continuar na batalha dos Motoristas, ainda há uma esperança no fim do túnel.